Por conta disso demorei um bocado para saber da existência do tal PL. E isso aconteceu de uma forma bem particular... Meu sobrinho comentou comigo que aconteceria a Caminhada contra a Intolerância Religiosa (Fonte) no dia 15 de novembro, na Paulista. E que ele ia participar, seria uma manifestação silenciosa contra a intolerância e a discriminação que sofremos na religião, etc... Achei muito legal e disse a ele que iria também, acho importante nós nos mexermos e sairmos do papel de vítimas atacadas pelos ignorantes e intolerantes e exigirmos respeito para com a nossa fé. Mas na hora em que ele me falou disso eu estava correndo com alguma coisa e não entramos em detalhes.
Fui saber melhor o que era mesmo a tal manifestação quando fui a uma festa, na casa de um Babalorixá bastante conhecido - por sinal, uma pessoa ótima - e na hora de apresentar as "autoridades" presentes, ele apresentou um outro babalorixá, figurinha também conhecida, mas por outras razões. Como eu nunca fui de babar ovo de ninguém, sempre achei que isso de "autoridade" é uma tremenda babaquice, e conheci por aí alguns "figurões" (que se julgam importantes no candomblé brasileiro e são verdadeiros escrotos, de quem o axé passa longe e que amam muito mais seus panos brilhantes do que os Orixás), sempre fiz questão de ignorar essa gente toda. De que me interessa saber quem foi o bisavô de santo de alguém? Que me importa saber se esse ou aquele fulano é filho de um "antigo" ou deu obrigação no axé mais tradicional possível?? Me interessa quem as pessoas são, e não de onde elas vieram ou quem elas dizem que são seus antepassados ou mais velhos. Enfim...
Aconteceu que essa figurinha conhecida (fiquei sabendo na hora que ele é candidato a qualquer coisa, mas isso ficou óbvio bem rapidinho...) tomou do microfone e começou a discursar em altos brados, como se estivesse num comício e não numa festa, e dizer que o tal Deputado Feliciano é isso e aquilo, e o partido dele, o PV, é isso ou aquilo... Que o tal PL não ia passar nunca, que era inconstitucional, e que o povo do santo tinha que se unir para mostrar sua força e (claro!) votar nos seu "irmãos" para que tenhamos representatividade política, já que os evangélicos ganharam força assim, e blá blá blá... Aí peguei meu sobrinho de lado e ele me explicou que a tal Caminhada (supostamente) contra a intolerância era na verdade um protesto contra o PL 992/2011 do Dep. Feliciano Filho, que visa proibir a matança de animais e aves em rituais religiosos em São Paulo. Bom, eu já não gosto de gente gritalhona. Detesto políticos e seus discursos eleitoreiros e ridículos, ainda mais quando estão fora do contexto, no local e na hora errados. Respeito imensamente o Feliciano Filho por seu trabalho como protetor de animais. E pratico o candomblé verde e acredito que não é necessário ejé animal na liturgia. Juntando tudo isso, quase fui embora da festa, claro! E com ânsias de vômito!! Mas fiquei, em consideração ao convite do dono da casa e sua entidade - para quem era a festa - e porque decidi que não deixaria aquele fanfarrão me irritar e estragar minha noite. Ainda bem, porque a festa foi ótima...rsrrs...
Depois comecei a dar uma olhada por aí, na net, nesse assunto. E as pessoas da religião estão atacando o PL dizendo que ele é inconstitucional, já que a constituição brasileira, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. E a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. Bem, contra esse argumento, tenho a dizer apenas que, se eu hoje criar uma seita onde o sacrifício seja de bebês humanos, a Consitituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU vai me proteger? Será inconstitucional se alguém me acusar de homicídio?? Ué, faz parte da minha liturgia, do culto da minha fé, e eu tenho esse direito... não tenho??
Quanto a dizer que se trata de intolerância religiosa, vejamos... “Intolerância religiosa é um termo que descreve a atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar as diferenças ou crenças religiosas de terceiros. Poderá ter origem nas próprias crenças religiosas de alguém ou ser motivada pela intolerância contra as crenças e práticas religiosas de outrem” (Fonte). Isso acontece no Brasil?? Todo dia!! Pessoas de religiões de matrizes africanas sofrem discriminação?? O tempo todo!! Agora, dizer que o PL é um "ato de intolerância religiosa"??... Me poupem...
Na Carta Aberta do Deputado Feliciano ele resume isso tudo:
Caros Amigos,
Após ter protocolado o PL 992/2011, que proíbe a utilização de animais em rituais religiosos no Estado de São Paulo, houve uma grande repercussão tanto de pessoas favoráveis, como contrárias ao PL.
Recebi, de forma democrática e respeitosa, a visita de líderes espirituais representando o Candomblé.
Tenho ouvido muito todos os segmentos da sociedade que têm se manifestado de diversas formas por meio de e-mails, telefonemas, blogs, redes sociais e até em visitas em meu gabinete.
Tenho acompanhado também a imprensa.
Tudo isso e mais alguns acontecimentos têm-nos levado a uma grande reflexão: Quero esclarecer que independentemente deste PL, a vedação, ou seja, a proibição da utilização dos animais em rituais já existe, pois tanto o artigo 225 da Constituição, bem como a Lei 24.645/34 e também a Lei 9605/98, em seu artigo 32, vedam esta prática.
O PL 992/2011 apenas acrescenta multa pecuniária.
Em momento algum o PL interfere na liberdade de culto. Apenas e tão somente tem a intenção de libertar os animais.
Não estamos aqui discutindo preceitos constitucionais, pois o PL não trata disso. Quando temos dois preceitos constitucionais, no caso a liberdade de culto e a proteção dos animais, o que deve prevalecer é o princípio da razoabilidade.
Tenho recebido críticas e apoios. Com certeza, muito mais apoios que críticas, numa proporção esmagadora.
Mesmo assim, acho importante a discussão desse tema de forma democrática e respeitosa.
Acredito na liberdade destes animais, pois sou abolicionista.
Na época da escravidão, diziam que os negros não tinham alma e que seus proprietários podiam entrar na casa dos escravos e retirar seus filhos para fazerem o que quisessem com eles.
Na Alemanha, 6 milhões de judeus foram exterminados por causa da intolerância.
Será que não estamos cometendo os mesmos erros agora? Recentemente assisti um vídeo de uma vaca correndo atrás de um caminhão que levava seu bezerrinho para o abate. Desesperada, ela até se enroscou em uma cerca de arame farpado, tentando passar. Ou seja, os animais têm sentimentos.
Será que nós temos o direito de dispor da vida de um outro ser, que foi criado por uma força Superior?
Conheço algumas pessoas que são do Candomblé e não utilizam animais em rituais, conheço judeus vegetarianos… Tenho amigos em muitas religiões que são vegetarianos.
Concordo com algumas pessoas que mandaram e-mails dizendo que deveríamos, então, também proibir a matança de animais nos frigoríficos. Gostaríamos muito, pois também sou vegetariano, mas os frigoríficos são obrigados a seguir dois quesitos: garantir um processo de insensibilização e obedecer um rígido controle sanitário, procedimentos que não acontecem em rituais religiosos.
Concordo também que existe pouca fiscalização nos abatedouros, mas um erro não justifica o outro. Porém, trabalharei no sentido de aumentar a fiscalização nestes locais.
A única coisa que queremos é defender aqueles que não têm voz, não podem se defender e não têm a quem recorrer. Não sou contra nenhuma liberdade de culto, sou apenas a favor da vida, da liberdade de seres que uma força superior colocou aqui na Terra.
Respeito todas as religiões, até porque tenho amigos em todas elas, e tenho recebido apoio de diversas religiões, inclusive do Judaísmo e do Candomblé.
Se amanhã, uma religião for formada com o intuito de sacrificar crianças, como já ocorre em alguns lugares, também não será considerado crime?
Considerando que os animais em rituais religiosos não passam por processos de insensibilização, não tem controle sanitário, e que existem muitos cultos que utilizam sementes, frutas, flores etc em seus ritos, acredito que poderemos evoluir, poupando os animais, para dar seguimento à História.
Afinal, já abolimos as barbáries nas arenas, nos campos de concentração e nas senzalas.
Deputado Feliciano Filho
Além disso tudo, atentem para o trecho onde o Feliciano diz na sua carta que: "os frigoríficos são obrigados a seguir dois quesitos: garantir um processo de insensibilização e obedecer um rígido controle sanitário, procedimentos que não acontecem em rituais religiosos." Ok, isso também não é respeitado sempre, como ele mesmo diz, mas o detalhe aqui é o "rígido controle sanitário".As pessoas dizem que os animais mortos nos rituais são utilizados para alimentar a comunidade. Alguém aí já viu controle sanitário em orô? Alguém já viu pai de santo perguntando para criador se o bicho é saudável, se foi vacinado, ou se não tem nenhuma doença que possa ser transmitida para a sua comunidade? Quem, no candomblé, nunca comeu carne de cabrito e encontrou um pelinho do bicho no prato? Quem nunca viu as carcaças dos bichos mortos jogados no chão esperando para serem cortados e preparados para consumo? Quem nunca viu um bicho ou mais morrerem antes do orô? E alguém já viu algum pai de santo perguntando ou se preocupando se o bicho não morreu de alguma doença de que os outros podem estar também contaminados? E - o mais importante - quem nunca viu um orô onde se matou muito mais animais do que seriam necessários? Quem nunca viu as carcaças dos animais serem "despachadas" ou "entregues" em alguidares, em matas, encruzilhadas ou mesmo vias públicas? Quem nunca viu ser jogada fora a carne de animais sacrificados, principalmente aqueles que não fazem parte do cardápio do povo brasileiro, como pombos ou faisões???
Eu já vi pai de santo arrancando a cabeça de periquitos em orô. Alguém aí come periquito??
7 comentários:
Olá, Migh! Obrigada pelo comentário!
Olha só, o texto é sim do Deputado Feliciano, mas eu concordo plenamente com ele. A questão não é se matam negros(as), judeus(as) ou animais, se queimam mulheres consideradas bruxas ou livros, entende? A questão é que algumas pessoas acreditam que podem dispor do que consideram inferior, e a comparação foi na intenção de mostrar que, o que parecia certo ficou depois comprovado estar terrivelmente errado, e é a mesma coisa com os animais. O homem acha que pode dispor à vontade da natureza e dos animais, como se fossem coisas sem sentimentos, como antes fizeram com negros e judeus. Tenho certeza de que um dia a humanidade olhará para trás e se envergonhará da maneira como tratou os animais, como hoje se envergonha do que foi feito aos negros e judeus, mas esse "um dia", para mim e para outros como o Deputado Feliciano, já chegou, aliás, já se faz tarde...
Oi, Edilene! Devido a certas situações desagradáveis ocorrendo em minha família, aconselhei-me com várias pessoas próximas, uma delas babalorixá. Desconheço a religião do Candomblé, ou Batuque (como é chamada aqui no Rio Grande do Sul), mas esse amigo explicou que eu precisava fazer uma limpeza e posterior abafamento. Tomei ciência, entretanto, que o procedimento envolveria sacrifício de animais, sobre o que obtive explicações até lógicas, mas incoerentes com meus princípios e descondizentes com o amor que nutro por cães, gatos, cavalos, abelhas etc., etc. Ora, sou advogado e defendi, em meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)da PUCRS, justamente a proteção jurídica aos animais.
Buscando, assim, argumentos de sustentação para a prática de rituais do candomblé sem o sacrifício, sem o sangue vermelho de nossos irmãozinhos, encontrei teu site. Excelente. Esta matéria, de modo especial, esclareceu-me bastante e solidificou meu posicionamento contra essa prática primitiva, que parece não ter evoluído em consonância com o crescente apreço pela vida nesta Nova Era. Parabenizo-te pelo blog e pela defesa de tuas idéias, bem como agradeço-te por ter, de certa e relevante forma, contribuído para meu amadurecimento como pessoa.
Sei que resides em São Paulo, mas será que não sabes, ou poderias vir a saber, de algum lugar em Porto Alegre/RS ou proximidades que trabalhe com o Candomblé Verde? Seria uma ajuda bem especial. Muito obrigado e até mais.
Oi, Edilene! Devido a certas situações desagradáveis ocorrendo em minha família, aconselhei-me com várias pessoas próximas, uma delas babalorixá. Desconheço a religião do Candomblé, ou Batuque (como é chamada aqui no Rio Grande do Sul), mas esse amigo explicou que eu precisava fazer uma limpeza e posterior abafamento. Tomei ciência, entretanto, que o procedimento envolveria sacrifício de animais, sobre o que obtive explicações até lógicas, mas incoerentes com meus princípios e descondizentes com o amor que nutro por cães, gatos, cavalos, abelhas etc., etc. Ora, sou advogado e defendi, em meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)da PUCRS, justamente a proteção jurídica aos animais.
Buscando, assim, argumentos de sustentação para a prática de rituais do candomblé sem o sacrifício, sem o sangue vermelho de nossos irmãozinhos, encontrei teu site. Excelente. Esta matéria, de modo especial, esclareceu-me bastante e solidificou meu posicionamento contra essa prática primitiva, que parece não ter evoluído em consonância com o crescente apreço pela vida nesta Nova Era. Parabenizo-te pelo blog e pela defesa de tuas idéias, bem como agradeço-te por ter, de certa e relevante forma, contribuído para meu amadurecimento como pessoa.
Sei que resides em São Paulo, mas será que não sabes, ou poderias vir a saber, de algum lugar em Porto Alegre/RS ou proximidades que trabalhe com o Candomblé Verde? Seria uma ajuda bem especial. Muito obrigado e até mais.
Olá, Gustavo! Muito obrigada por seu comentário!
Em primeiro lugar agradeço muito os elogios ao meu blog, e fico imensamente feliz por ter colaborado de alguma forma para levar o conhecimento dessa possibilidade, essa alternativa na religião, até você, pois é somente dessa forma, de boca em boca, aos poucos, que o candomblé verde poderá se estabelecer e ser finalmente respeitado como uma alternativa coerente ao sangue animal na religião. Não sei exatamente o que é abafamento, não conheço esse termo por aqui, mas sei que qualquer ebó, ou oferenda que se faça, seja na intenção de limpeza, de fortalecimento, de abertura de caminhos, o que for, tem a sua versão verde. É aqui que repito meu argumento de que, se é necessário um sacrifício, que este seja feito por quem receberá o benefício, ou seja, que quem está pedindo o favor e a graça dos orixás sacrifique a si mesmo, através das suas possibilidades, que sacrifique sua vaidade, seu conforto, algo que custe apenas a si, porque pedir algo em troca do sacrifício de outro ser é muito fácil, né?
Não conheço casas de candomblé verde nem mesmo aqui em São Paulo, na capital, sei apenas da casa de Iya Senzaruban, no litoral norte, e não a visitei pessoalmente. Mas recebi uma mensagem de uma pessoa aí do Sul que pratica, vou procurar e te envio o contato, ok? Se não encontrar, Gustavo, te aconselho a fazer o que eu faço: leia, pesquise, converse, informe-se sobre as possibilidades. Use seu bom-senso e faça vc mesmo suas oferendas e "limpezas". Se vc não vai fazer uma iniciação ou outro ato assim tão grande, pode ter certeza de que a sua fé e o seu amor e empenho no que está fazendo serão muito mais efetivos do que um enorme ebó - que provavelmente será muito bem cobrado - feito por alguém que nem sequer o conhece ou muitas vezes não se importa de verdade com você. Bem, essa é a minha humilde opinião, claro...
Um grande abraço e precisando de alguma coisa, é só entrar em contato! E volte sempre para acompanhar o blog!
Minha avó foi criada na roça, onde criava patos, galinhas, porcos, etc. Alimentou 12 filhos com a carne desses animais, sem o tal "controle sanitário". Ela, com sua sabedoria ancestral, olhava para o bicho e sabia se ele estava doente ou não. Minha mãe foi criada na roça. Meus pais criavam galinhas e porcos e, graças a essas criações, podíamos ter carne em nossas mesas. Se tivessem que comprar, não teriam condições. Essa história de controle sanitário agora é desculpa esfarrapada para quem não tolera religiões diferentes das suas. Se é em defesa dos animais, tem que proibir também os matadouros. Ou então, que obriguem os templos religiosos a procederem ao mesmo processo de insensibilização dos matadouros. Os matadouros não podem ter mais direitos que os templos religiosos.
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