"É destino de toda verdade ser objeto de ridículo quando exposta pela primeira vez." - Albert Schweitzer

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Candomblé Vegetariano - entrevista na ANDA com Iya Senzaruban

O universo do candomblé está presente na vida de Iya Senzaruban desde muito cedo. Nascida numa família de cultura tradicional do candomblé, ela é filha de um ekede e de um ogã. Foi iniciada nesta senda espiritual aos 7 anos e aos 14 anos tornou-se mãe-de-santo. Desde o início dos anos 90 estuda técnicas da medicina alternativa como a aromaterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, cromoterapia e cristais. No Sri Lanka entrou no culto a Krishna e Shiva e acabou descobrindo uma forma para substituir, em sua alimentação e nos rituais, os animais e ingredientes de origem animal. Vegetariana há 25 anos, atuante na área de saúde, ela é também responsável pelo Grupo Ile Iya Tundé, entidade filantrópica que atua há 22 anos em Itanhaém, no estado de São Paulo e que ministra cursos e atividades para a comunidade. Sua experiência na renovação do candomblé está sendo relatada no livro que escreve e pretende publicar sob o título de Candomblé Vegetariano. Nesta entrevista à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, Yia Senzaruban fala sobre sua experiência lactovegetariana, sua dedicação ao candomblé, sua caminhada espiritual e a sintonia entre natureza e espiritualidade.


ANDA – Como foi sua experiência de ter se tornado mãe-de-santo tão jovem e depois ter optado pelo vegetarianismo?

Iya Senzaruban – Eu já nasci dentro do santo. Fui iniciada aos 7 anos e aos 14 já era mãe-de-santo. Depois disso andei em vários lugares, mas no Sri Lanka foi uma experiência relevante por causa do vegetarianismo e também porque eu me iniciei como devota de Krishna. E isto tudo criou uma incompatibilidade, pois os devotos de Krishna e Shiva não comem carne de jeito nenhum. Eles comem alguns produtos lácteos e derivados como o queijo, porque a vaca é considerada sagrada. Mas não comem ovo, nenhum outro produto animal sem ser derivado do leite. Desde pequena eu não gostava de comer carne, então optar pelo vegetarianismo foi fácil. Difícil foi conciliar as coisas. Eu levei muitos anos para poder encaixar as duas coisas, que eu considerava muito bonitas. Além disso eu já tinha muita gente que contava comigo pela minha situação religiosa. Não poderia abandonar tudo no meio do caminho.

ANDA – Como foi esta transição para um candomblé vegetariano?

Iya Senzaruban – Eu estou escrevendo um livro a respeito do candomblé vegetariano e também dou cursos e palestras sobre isto. Assim como eu, tem muita gente que é do santo, que é do candomblé e que não gosta da matança e se sente meio acuada. Tem gente que adora, gosta, ama os orixás, admira o ritual que é muito bonito, muito completo, mas na hora de participar de uma matança, “o bicho pega”. A proposta do vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem prejudicar o tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As mudanças são muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é o que o candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que não usa nem camarão ou ovo, nada de origem animal. Mas demorou muito tempo para chegar nisso. Passei a vida inteira dentro de um certo contexto. Hoje já é mais fácil. Mas ainda tem adaptações a fazer, tem hora que eu tenho que buscar outras soluções. Também não dá para buscar a mesma energia, porque a energia de sangue é muito pesada. Ela traz muita proteção mas ao mesmo tempo traz muita sujeira espiritual. Hoje em dia eu procuro ter uma limpeza espiritual e conseguir a mesma coisa sem ter que fazer uma matança: livrar as pessoas de problemas, principalmente na área de saúde, de doenças graves. Como eu também sou terapeuta, vejo muito por este lado, de saúde física, moral, espiritual e psicológica. Meu trabalho como mãe-de-santo é bem voltado para a saúde.

ANDA – Você também trabalha com outras técnicas de terapias como a cromoterapia e acupuntura. Como isto ajuda no seu trabalho?

Iya Senzaruban – Hoje em dia os pais-de-santo estão muito mais cultos. É uma nova época dentro do candomblé. As pessoas estão buscando mais conhecimento, trabalham em outras coisas, não dependem mais financeiramente do candomblé como eram os antigos pais-de-santo, que só viviam para isso. Então ficava muito restrito. Toda religião precisa evoluir, senão fica estagnada e morre.

ANDA – Dentro do contexto religioso é mais difícil a aceitação da mudança?

Iya Senzaruban – A respeito da matança, eu acho que os meus filhos-de-santo que já têm casa vão aproveitar muito mais esta situação renovada e talvez daqui a 10 anos a gente tenha alguma resposta. Isso porque há uma restrição muito séria a respeito disso. Mas aos poucos eu acredito que a gente vai atingindo as pessoas. Afinal, alguém tem que começar, né?

ANDA – Dá para perceber o quanto você está sendo pioneira.

Iya Senzaruban – Isso é porque eu sou filha de Iansã, e Iansã arrebenta tudo. Ela é a minha guerreira, ela derruba mesmo os tabus, os preconceitos. Mas fora a situação de matança, os pais-de-santo têm menos tradicionalismo hoje. Eles são abertos a outras coisas, à busca das raízes, das ervas, de estudos sobre determinados orixás que a maioria não conhecia ainda, mas com uma mente diferente, porque já têm mais cultura. A maioria hoje tem terceiro grau completo e isso faz alguma diferença.

ANDA – Como você relaciona o vegetarianismo e a espiritualidade sob este enfoque profissional na área de saúde?

Iya Senzaruban – Matar os animais é algo que espiritualmente não faz bem, pois você está tirando a vida e depois comendo cadáveres. Não é nada sadio espiritualmente falando. Além disso, principalmente o frango e os animais que se compram em supermercados estão cheios de hormônios. Um frango hoje em dia, de um pintinho para um frango demora três dias. Isso é um absurdo. Imagine o que isto não causa dentro do organismo da pessoa. E ainda afeta a psique, porque são drogas injetadas por tabela. Não adianta você não fumar, não beber, não tomar psicotrópicos e acabar consumindo por tabela quando consome a carne. O efeito é o mesmo. Isso faz também com que cada vez mais as pessoas tenham câncer e outras doenças. O vegetarianismo, ao contrário, é muito bom. É certo que muitas verduras são contaminadas, mas mesmo assim já não faz tanto mal, pois não atinge a aura da pessoa. E com isso ainda tem tantas opções, como os grãos. Eu mesma como muito poucas verduras. O que como mais são legumes, tubérculos, grãos e doces. Inclusive, quando eu dou aulas sobre a comida vegetariana, apresento excelentes opções simples e tão mais baratas! Com um quilo de carne dá para fazer um almoço para quatro pessoas. Com o mesmo dinheiro de um quilo de carne, na cozinha vegetariana, dá para fazer o almoço, o jantar e outro almoço no dia seguinte para quatro pessoas. O vegetarianismo é um estilo de vida para o bolso, para a saúde mental, espiritual e psicológica, pois tudo está ligado. Se você come um alimento saudável, vai ser uma pessoa saudável mentalmente também. Te dá ânimo para fazer exercícios, você se torna uma pessoa mais doce. Geralmente quem é vegetariano não bebe, não fuma, é uma consequência sine qua non. Vai limpando o seu corpo. E ainda tem mais: a pele fica bonita, o cabelo também, não tem barriga, não tem celulite…

ANDA – Há quanto tempo você adotou o vegetarianismo no seu trabalho? E como as pessoas percebem o seu engajamento por esta opção?

Iya Senzaruban – Eu já sou vegetariana há 25 anos e levo o candomblé vegetariano há quase 17 anos. As pessoas, principalmente as mais jovens, se interessam mais. Eu vejo também que quem mais se interessa pelo vegetarianismo é o tipo de pessoa mais intelectual, geralmente artistas, profissionais que se destacam em várias áreas. Eu percebo bem que eles têm uma consciência muito maior. Fora isto há outros grupos que já levam isto como uma realidade. Há alguns colegas meus, na medicina, que também têm trabalhos nesta área. Mas é muito diferente falar para uma pessoa que ganha um salário por mês – e que não são poucas, infelizmente é a realidade majoritária no nosso país – aí é muito difícil de atingir. Eu tenho esta sorte de conseguir atingir muita gente neste nível, por exemplo, ensinando a fazer a farofa multimistura para a alimentação ficar mais completa. Ensino a fritar a casca de batata, usar a casca de banana, trabalho já há muito tempo com isso. Porque muita gente acha que só a carne alimenta, eles têm esta educação falha. Eu consigo atingir também este público, mas é muito difícil encontrar quem se proponha a trabalhar assim. Eu percebo que o vegetarianismo é uma coisa mais elitizada, sim: financeira e culturalmente. O vegetariano é a pessoa que teve uma cultura mais elevada e que tem dinheiro. Mas com o meu trabalho como mãe-de-santo eu consigo atingir outras classes mais sofridas, de gente que vive com um salário, paga o aluguel e ainda tem três ou quatro filhos. Esta é uma área de atuação maior. Também tenho uma entidade filantrópica, o Grupo Ilê Iya Tundê, que fica em Itanhaém e já tem 22 anos, que me permite ir ensinando. Lá também ensinamos terapias, danças, capoeira e culturas de origem afro, além de cursos profissionais. Tem muitos outros grupos de várias crenças que inclusive utilizam este espaço para fazer entrega de mantimentos e outras atividades para a comunidade.

ANDA – O que pretende o candomblé vegetariano?

Iya Senzaruban – Eu sou uma mãe-de-santo e não estou aqui para questionar a situação de ninguém. Nasci numa situação tradicionalíssima e não posso negar de onde eu vim. Para algumas pessoas isso é o que serve. Para mim não serve mais. A minha função, assim como para quem se sente nesta situação, é encontrar uma nova forma de louvar os orixás sem ofender os outros seres vivos. Eu acho que é uma demonstração de boa vontade para com Deus.

Fonte: http://www.anda.jor.br/2009/11/15/candomble-vegetariano/comment-page-3/#comment-42990

Meus cumprimentos e meus respeitos a Iya Senzaruban, por sua coragem e por sua grande evolução espiritual. Tinha de ser filha de Oya!! hehehe...

6 comentários:

Anônimo disse...

tenho muita duvida com relação ao candomblé vegetariano;uma feitura de santo seria valida se não tiver bichos????
Como isso seria feito???? e validaria em qualquer jogo de búzios esta feitura.

SANDRA MACUMBEIRA disse...

OLÁ!!! GOSTARIA QUE VC ME INDICA-SE UM LIVRO QUE FALASSE SOBRE O EJÉ VERDE..OBRIGADA SANDRA

Edilene Mora disse...

Caro Anônimo, muito obrigada por comentar e me dar a oportunidade de expor minha opinião a respeito!
Aliás, antes de mais nada, deixo claro que é a MINHA opinião apenas, eu sigo o que acredito ser certo, e até hoje funcionou muito bem PARA MIM.
A minha feitura de santo foi do jeito tradicional, como eu já contei em outro post, mas hoje eu não faria de novo, de jeito nenhum!! Acredito que se o seu Orixá aceita ser louvado e cultuado sem o sangue de animais, porque a feitura de seu ori não seria válida? Aliás, quem decide o que é válido PARA VOCÊ e para o SEU Orixá? Eu fui feita com sangue, mas não recebi nenhum certificado de validade...
Se o babalorixá ou ialorixá que der sua primeira obrigação for adepto do candomblé verde ele(a) saberá como é feito, eu não sou nenhuma autoridade para explicar isso a você e, ainda que o fosse, não faria isso assim, na internet. Acredito que os segredos da religião não devem ser banalizados assim. Mas o que sei é que existem os atos, preceitos e rituais de feitura sem sangue animal, apenas aconselho que sempre procure uma pessoa idônea e de sua confiança, para qualquer tipo de ritual religioso.
E uma vez que a feitura fosse feita corretamente e aceita por seu Ori em primeiro lugar, e pelo seu Orixá, porque o jogo de búzios não o confirmaria?? Ele é apenas a manifestação do seu orixá através de um oráculo. Tudo que eu tenho feito para os meus orixás no candomblé verde foi confirmado em um jogo de búzios por um babalorixá muito respeitado, que, inclusive, NÃO pratica o candomblé verde... rsrs...

Edilene Mora disse...

Olá, Sandra!
Dois livros muito bons sobre as folhas sagradas:
Ewé Òrìsà - de José Flavio Pessoa de Barros
Ewé - Pierre Fatumbi Verger

Muito obrigada pelo comentário! Axé!

Anônimo disse...

Olá, vc teria como indicar alguma casa aqui em sp que pratique o candomble verde? Sou feita no santo, mais partilho da mesma opinião que vc, e se um dia tivesse que abrir uma casa abriria mão do sangue animal. Desde já agradeço muito, obrigada.

Edilene Mora disse...

Oi, agradeço muito seu cometário!
Olha, aqui na capital não sei de nenhuma casa que pratique o candomblé verde. eu mesma não participo de nenhuma casa por isso mesmo... Sei que Iya Senzaruban tem uma casa de candomblé verde no litoral, como está na reportagem, mas não conheço mais ninguém, infelizmente... Quando descobrir algum lugar vou postar aqui, ok?
Um abraço e mó tumbà!!