"É destino de toda verdade ser objeto de ridículo quando exposta pela primeira vez." - Albert Schweitzer

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Belo Monte... de merda!!

A natureza nos oferece tudo de que podemos precisar para viver, e inclusive para ofertar a nossos Orixás. Mas a humanidade não pára de tentar destruir, sistematicamente, tudo que Olorum nos deu. Leiam abaixo o pedido de mobilização da Avaaz e os artigos relacionados. Vamos dizer NÃO a Belo Monte!!

"Caros amigos,

O Presidente do IBAMA se demitiu quarta-feira passada devido à pressão para autorizar a licença ambiental de um projeto que especialistas consideram um completo desastre ecológico: o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.
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A mega usina de Belo Monte iria cavar um buraco maior que o Canal do Panamá no coração da Amazônia, alagando uma área imensa de floresta e expulsando milhares de indígenas da região. As empresas que irão lucrar com a barragem estão tentando atropelar as leis ambientais para começar as obras em poucas semanas.

A mudança de Presidência do IBAMA poderá abrir caminho para a concessão da licença – ou, se nós nos manifestarmos urgentemente, poderá marcar uma virada nesta história. Vamos aproveitar a oportunidade para dar uma escolha para a Presidente Dilma no seu pouco tempo de Presidência: chegou a hora de colocar as pessoas e o planeta em primeiro lugar. Assine a petição de emergência para Dilma parar Belo Monte – ela será entregue em Brasília, vamos conseguir 300.000 assinaturas:

http://www.avaaz.org/po/pare_belo_monte/97.php

Abelardo Bayma Azevedo, que renunciou à Presidência do IBAMA, não é a primeira renúncia causada pela pressão para construir Belo Monte. Seu antecessor, Roberto Messias, também renunciou pelo mesmo motivo ano passado, e a própria Marina Silva também renunciou ao Ministério do Meio Ambiente por desafiar Belo Monte.

A Eletronorte, empresa que mais irá lucrar com Belo Monte, está demandando que o IBAMA libere a licença ambiental para começar as obras mesmo com o projeto apresentando graves irregularidades. Porém, em uma democracia, os interesses financeiros não podem passar por cima das proteções ambientais legais – ao menos não sem comprarem uma briga.

A hidrelétrica iria inundar pelo menos 400.000 hectares da floresta, impactar centenas de quilômetros do Rio Xingu e expulsar mais de 40.000 pessoas, incluindo comunidades indígenas de várias etnias que dependem do Xingu para sua sobrevivência. O projeto de R$30 bilhões é tão economicamente arriscado que o governo precisou usar fundos de pensão e financiamento público para pagar a maior parte do investimento. Apesar de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, ela seria a menos produtiva, gerando apenas 10% da sua capacidade no período da seca, de julho a outubro.

Os defensores da barragem justificam o projeto dizendo que ele irá suprir as demandas de energia do Brasil. Porém, uma fonte de energia muito maior, mais ecológica e barata está disponível: a eficiência energética. Um estudo do WWF demonstra que somente a eficiência poderia economizar o equivalente a 14 Belo Montes até 2020. Todos se beneficiariam de um planejamento genuinamente verde, ao invés de poucas empresas e empreiteiras. Porém, são as empreiteiras que contratam lobistas e tem força política – a não ser claro, que um número suficiente de nós da sociedade, nos dispormos a erguer nossas vozes e nos mobilizar.

A construção de Belo Monte pode começar ainda em fevereiro.O Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, diz que a próxima licença será aprovada em breve, portanto temos pouco tempo para parar Belo Monte antes que as escavadeiras comecem a trabalhar. Vamos desafiar a Dilma no seu primeiro mês na presidência, com um chamado ensurdecedor para ela fazer a coisa certa: parar Belo Monte, assine agora:

http://www.avaaz.org/po/pare_belo_monte/97.php

Acreditamos em um Brasil do futuro, que trará progresso nas negociações climáticas e que irá unir países do norte e do sul, se tornando um mediador de bom senso e esperança na política global. Agora, esta esperança será depositada na Presidente Dilma. Vamos desafiá-la a rejeitar Belo Monte e buscar um caminho melhor. Nós a convidamos a honrar esta oportunidade, criando um futuro para todos nos, desde as tribos do Xingu às crianças dos centros urbanos, o qual todos nós podemos ter orgulho.

Com esperança

Ben, Graziela, Alice, Ricken, Rewan e toda a equipe da Avaaz

Fontes:

Belo Monte derruba presidente do Ibama:
http://colunas.epoca.globo.com/politico/2011/01/12/belo-monte-derruba-presidente-do-ibama/

Belo Monte será hidrelétrica menos produtiva e mais cara, dizem técnicos:
http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/belo-monte-sera-hidreletrica-menos-produtiva-e-mais-cara-dizem-tecnicos.html

Vídeo sobre impacto de Belo Monte:
http://www.youtube.com/watch?v=4k0X1bHjf3E

Uma discussão para nos iluminar:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101224/not_imp657702,0.php "


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A Avaaz é uma rede de campanhas globais de 5,6 milhões de pessoas que se mobiliza para garantir que os valores e visões da sociedade civil global influenciem questões políticas internacionais. ("Avaaz" significa "voz" e "canção" em várias línguas). Membros da Avaaz vivem em todos os países do planeta e a equipe está espalhada em 13 países de 4 continentes, operando em 14 línguas.

sábado, janeiro 08, 2011

Sacrifício de animais - por Sergio Greiff

"O sacrifício de animais em rituais religiosos é prática mal vista pela sociedade ocidental de uma maneira geral, tanto devido à crueldade envolvida quanto devido à má impressão visual que causam, associação dessas práticas com feitiçaria etc. No entanto, muitas das pessoas que demonizam as religiões onde animais ainda são sacrificados ignoram que a crueldade envolvida no sacrifício de animais é similar à crueldade praticada quando o animal é abatido para consumo, seja por qual método seja.
A demonização dessas religiões, mais do que uma oposição ao sacrifício propriamente dito, denota um preconceito contra determinado sistema de crenças. Denota ignorância quanto ao fato de que todas as antigas religiões praticaram, em algum momento de sua história, o sacrifício de animais e/ou de seres humanos. O sacrifício está na raiz da maioria das religiões, ele não se configura em um ato isolado de determinado grupo. Condenar determinado sistema de crenças, qualificá-lo como inferior ou primitivo, em nada contribui com a causa animal. Todos os sistemas de crenças devem ser respeitados e dentro desse conceito, soluções devem ser buscadas para o problema do sacrifício de animais, jamais aceitando-o ou regulamentando-o, mas entendendo suas origens e buscando uma solução que se harmonize com as crenças dos grupos.
Sacrifício é a prática de oferecer alimento, ou a vida de animais ou pessoas, às divindades, como forma de culto. O termo deriva dos radicais ‘sacro’ e ‘oficio’, ou seja, oficio sagrado. Os motivos para a prática de sacrifícios são variáveis, conforme o sistema de crenças de cada religião. Em algumas religiões, a palavra utilizada para sacrifício está associada à palavra “aproximação”, pois acredita-se que o sacrifício aproxima o devoto de sua divindade.
Alguns povos no passado acreditavam que parte do poder dos deuses só podia ser conservada às custas de constantes sacrifícios. Outros acreditavam que os sacrifícios não interferiam no poder dos deuses, mas sim os agradavam, de forma que colocavam o devoto em posição de negociar algum favor.
Havia também sacrifícios para aplacar a ira dos deuses. Animais ou seres humanos podiam ser ofertados como forma de expiar pelos pecados da comunidade. Os sacrifícios desempenhavam função social importante dentro de certos sistemas, pois eram uma forma do devoto oferecer alguma contribuição à instituição religiosa, uma forma de prover alimento para os sacerdotes e para os mais pobres. Dessa forma, após serem oferecidos aos deuses, os animais eram consumidos pelo devoto, pelos sacerdotes ou distribuídos aos pobres.
Os sacrifícios eram práticas diárias nas mais avançadas sociedades americanas pré-colombianas, sendo que algumas destas sociedades praticavam o sacrifício de seres humanos. A sociedade hebréia, os pagãos e animistas de todos os continentes, os romanos, gregos, os muçulmanos e as religiões derivadas dos cultos africanos, todas recorreram ou recorrem ao sacrifício de animais.

Os sacrifícios na sociedade hebréia
O primeiro sacrifício de animais citado na Bíblia foi realizado por Abel (Gen. 4:4), no entanto, este sacrifício e o realizado por Noé (Gen. 8:20) precedem o advento da religião judaica. Dentre os patriarcas, Abraão ofereceu um sacrifício de carneiro (Gen. 22:13) e Jacó é descrito como oferecendo dois sacrifícios, embora o texto não especifique o que tenha sido ofertado (Gen. 31:54 e Gen. 46:1).
O sacrifício de animais parece não ter sido estranho aos israelitas na época de escravidão no Egito (Êxodo 3:18), embora não haja evidencias de que isto fosse praticado neste período. Já na época do êxodo do Egito, os israelitas foram proibidos de imolar animais exceto como ofertas sacrificiais. Uma pessoa que abatesse um animal sem ofertá-lo no tabernáculo era considerado culpado por sua morte (Lev. 17:3-4). Já em Israel, os sacrifícios passaram a ocorrer no pátio do Grande Templo, em Jerusalém. (Lev 17:1-9, Deut. 12.5-7). Esporadicamente, outros lugares que não o Templo eram utilizados para sacrifícios (Juizes 2:5; Juizes 6:18-21, 25 e 1 Reis 18:23-38).
O livro de Levítico descreve em detalhes quais tipos de oferendas podiam ser oferecidas em cada ocasião e de que forma o sacrifício deveria ocorrer. As oferendas eram derivadas de vegetais (farinha, azeite, trigo torrado, bolos, incenso, vinho, etc), animais (bois, cabras, carneiros, pombas, rolinhas etc) e em alguns casos minerais (sal).

Os sacrifícios eram classificados como:
- Sacrifício de expiação pelo pecado (Lev 4 e Lev. 6:24-30): Dependendo de quem cometeu o pecado e das condições em que fora cometido, eram ofertados novilhos, bodes ou cabras.

- Oferta pela culpa ou holocausto (Lev. 5, Lev. 6:1-13 e Lev. 7:1-10): Eram ofertados carneiros, cordeiras e cabritas, mas os menos abastados podia ofertar pombas, rolas ou mesmo farinha (fermentada ou não).

- Sacrifícios pacíficos ou de ação de graças (Lev 3; Lev. 7:11-20): Era um sacrifício queimado para agradar a Deus. Eram sacrificados bois, cabras e carneiros, mas também bolos de farinha com azeite, não fermentados.

- Oferta de manjares (Lev. 2:1-11 e Lev. 6:14-23): Era um sacrifício queimado para agradar a Deus. Eram usadas preparações à base de vegetais não fermentados e sal.

- Ofertas de primícias (Lev. 2:12-16): O propósito era agradecer pela abundância da colheita. Eram oferecidos os primeiros grãos coletados, ainda verdes, azeite e mel.

Maimônides (1135-1204) explica que os judeus na verdade não tinham a necessidade de realizar sacrifícios para Deus, mas isto passou a ser praticado em Israel por influência das tribos pagãs que viviam ao redor. Estes povos utilizavam estes rituais como forma de aproximar-se de suas divindades. De acordo com Maimônides, se um sistema não houvesse sido criado para que os israelitas praticassem rituais semelhantes aos pagãos para se aproximarem de seu Deus, possivelmente sacrificariam para deuses estrangeiros. Maimônides concluiu que a decisão de Deus de permitir sacrifícios era uma concessão às limitações psicológicas do homem, e não uma necessidade religiosa real.

De fato, na Biblia há muitas passagens que mostram que o Deus de Israel na verdade buscava pelas orações e o sincero arrependimento, e não o sacrifício:
“Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não requeres.” (Salmo 40:6).
“Pois não te comprazes em sacrifícios; do contrário, eu tos daria; e não te agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51:16-17).
“De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? - diz o SENHOR. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer.” (Isaias 1:11-14)
“E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados.” (Amós 5:22)
“Tende convosco palavras de arrependimento e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Perdoa toda iniqüidade, aceita o que é bom e, em vez de novilhos, os sacrifícios dos nossos lábios.” (Oséias 14:2)
Os sacrifícios foram abolidos há dois mil anos da sociedade hebréia, sendo substituído por orações.

Sacrifícios no cristianismo
O cristianismo, como religião, jamais utilizou como prática o ritual de sacrifícios, mas cristãos primitivos sem dúvida praticavam sacrifícios no Templo de Jerusalém até sua destruição no ano 70 d.C. Portanto cristãos e judeus deixaram de praticar sacrifícios de animais na mesma época. Há, no entanto, resquícios de práticas sacrificiais pagãs européias na tradição católica (touradas etc), o que mostra que pelo menos no início da cristianização da Europa, estes sacrifícios foram continuados, até sua definitiva incorporação à nova religião.
Na teologia cristã moderna, os sacrifícios não têm lugar visto que Cristo ofereceu-se a sim mesmo como sacrifício universal. A mera fé nisto conduz o devoto à salvação. No entanto, o culto e a eucaristia são práticas que remontam ao sacrifício, sendo a hóstia (no caso católico), a oferenda de carne. O simples fato de Jesus haver sido considerado uma oferenda válida mostra, porém, que o cristianismo aceita, teologicamente, a validade dos sacrifícios. Com efeito, o cristianismo não faria sentido sem a idéia de que Jesus serviu como um cordeiro sacrificial, para expiar pelos pecados do mundo.

Sacrifícios no islã
O período de peregrinação à Mecca (Hajj) é marcado por um rito sacrificial denominado Eid-ul-Adha (comemoração do sacrifício). Este sacrifício lembra que Abraão esteve prestes a sacrificar seu filho (que, de acordo com a tradição muçulmana não era Isaque, mas Ismael). Após as orações, aquele que têm condições leva um cabrito, uma cabra, uma ovelha, um camelo ou uma vaca, para serem sacrificados. A carne destes sacrifícios é compartilhada com a família e os amigos e um terço é dada aos pobres. Todos estes preceitos estão contidos na Surata Al-Hajj (o capítulo do Al-Corão que trata da peregrinação a Mecca).

No Al-Corão (22:37) está explicado que Deus não se beneficia da carne nem do sangue dos animais que são sacrificados, mas que a fé do devoto e sua boa intenção é que são considerados. O animal deve ser abatido tendo sua jugular cortada e seu sangue drenado. Não é permitido dar marretadas, eletrochoques ou perfurar o animal com qualquer objeto. Esta carne, apenas assim é considerada Halal, própria para consumo.

Sacrifícios no hinduísmo
O Yajurveda, um dos quatro Vedas, contém grande parte da liturgia e dos rituais necessários para a prática religiosa hindu. Isto inclui os ritos sacrificiais. No período de 1000 a.C. a 800 a.C., o hinduísmo passou a basear seu sistema de crenças na constante necessidade de sacrifícios. A população podia consumir a carne apenas de animais abatidos por brâmanes (sacerdotes). Neste período surgiu no hinduísmo o sistema de castas, o conceito de reencarnação e a concepção de que almas animais podiam evoluir até a condição humana.
Textos como o Ramaiana e outros demonstram que os sacrifícios de animais eram comuns na prática religiosa hindu. No século VI a.C., no entanto, devido a pressões ecológicas e o advento de novas concepções religiosas, os sacrifícios foram abandonado em sua maior parte. Neste período, seguindo o desprezo pelos sacrifícios, a salvação da alma passa a estar atrelada às boas ações do indivíduo, entre elas evitar causar mal aos animais.
Por não ser, no entanto, uma religião organizada, o hinduísmo permite uma variedade de rituais nitidamente destoantes. Ao passo que na maior parte dos lugares os Templos abriguem animais desamparados e os devotos lhes ofereçam alimentos como parte de seu rito, em outras regiões mais isoladas e menos abastadas animais e mesmo seres humanos continuam a serem sacrificados.
Isto é especialmente verdadeiro nos templos dedicados á deusa Kali: Em 14 de junho de 2003 um homem tentou sacrificar sua filha no Templo de Kamakhya, tendo sido detido pelos sacerdotes e preso pela policia. Na aldeia de Parsari, distrito de Sagar, em Madhya Pradesh, um sacerdote hindu foi preso em 27 de março de 2003 por sacrificar um homem. Embora sacrifícios humanos sejam proibidos, eles continuam a acontecer na Índia.
Sacrifícios eram também praticados em outras antigas religiões da Ásia. Confúcio descreve a existência de sacrifícios na China do século VI a.C.

Sacrifícios pagãos
O sacrifício de animais e seres humanos foi praticado por pagãos de todos os continentes. Muito se tem discutido sobre a condição dos druidas (sacerdotes celtas), se eles eram pessoas pacíficas e simpáticas ou, como nos queriam fazer crer os romanos, bárbaros sanguinários. É possível que tenham sido ambos, um pouco dos dois. Há evidências arqueológicas de que na religião celta havia sacrifícios de seres humanos, ainda que raramente. Os relatos de historiadores romanos e cristãos a esse respeito, embora provavelmente exagerados, dão alguma idéia da forma como esses rituais ocorriam.

Já com relação aos astecas, sabe-se que praticavam rituais de sacrifício humano praticamente diários. Esta era a forma que encontravam para aplacar a fúria do deus Huitzilopochtli, representado pelo Sol, e desta forma evitar catástrofes. Isto os colocava em constante guerra com seus vizinhos, pois com o intuito de evitar o sacrifício de seus próprios, sacrificava-se prisioneiros de guerra. Da mesma forma, os sacrifícios eram praticados na sociedade maia.

Sacrifícios eram praticados na cultura cretense minóica, pré-helênica, mas é possível que não como parte dos ritos diários, mas em casos especiais como para aplacar a ira dos deuses durante desastres naturais. Os sacrifícios durante este período evidenciam-se, além da arqueologia, pela perpetração de lendas relativas aos minóicos, como aquela em que a cidade de Atenas precisava enviar todos os anos sete rapazes e sete moças para Creta, para serem oferecidas ao Minotauro. Gregos e romanos ofereciam sacrifícios, principalmente de animais, em honra dos deuses.

Sacrifícios nas religiões africanas
A maioria das religiões africanas ainda pratica o sacrifício de animais e, em casos mais velados, também de seres humanos. Na antiga religião Zulu, ainda praticada na África do Sul, pessoas podem ser mortas não como parte de um sacrifício ritual, mas para que alguma parte de seu corpo seja utilizada como medicamento (Muti). Nesta forma de medicina, o pênis de um menino pode ser requerido pelo sangoma (curandeiro) para elaborar um elixir contra a impotência ou o estupro de uma virgem pode ser necessário para curar alguém de AIDS.
Os ritos sacrificiais africanos, trazidos para a América do Sul e Caribe no período colonial, ainda são praticados em muitas comunidades.
No candomblé, o sacrifício de animais é praticado pelo Axogun ou pelo Babalorixá. O primeiro que deve receber os sacrifícios é Exu, a quem é oferecida uma galinha. Em seguida o Orixá que se pretende contatar recebe sua oferta, sempre um animal quadrúpedes. Após morto e oferecido no ritual, o animal é consumido pelos devotos e seu couro pode ser utilizado para a confecção de instrumentos musicais.
No candomblé o sangue não apenas é vida, como possui uma energia elementar. O sangue e as visceras dos animais tem o objetivo de produzir axé, energia vital.
Apesar disto, há seguidores do candomblé que opõem-se à pratica de sacrifícios de animais, como é o caso do Pai-de-Santo Agenor Miranda Rocha.
Caio de Omulu não questiona a validade, ou necessidade, do uso de animais dentro da umbanda, mas sim sua freqüência. Prega que tais rituais deveriam ser exceção e não única prática como vem sendo realizado.
Não querendo discutir a validade do sacrifício no contexto do sistema de crenças de qualquer religião, a mera existência de locais onde estas mesmas religiões são praticadas sem a necessidade de sacrifícios de animais, rituais estes reconhecidos pelos centros onde animais ainda são utilizados, demonstra que a utilização de animais não é necessária. O ritual cumpre uma função que, mais do que uma obrigatoriedade religiosa, configura-se em uma forte impressão psicológica no devoto que a pratica.

Conclusões
Seja qual for a religião que pratiquemos ou não pratiquemos qualquer religião, um princípio que devemos ter claro é que o movimento abolicionista jamais deverá ser um movimento anti-religioso ou contra uma religião específica. Devemos procurar nos opor ao sacrifício de animais sem desmerecer o complexo de crenças dos indivíduos, porque a causa abolicionista não deve discriminar uma ou outra religião. As mesmas críticas que atualmente são dirigidas às religiões afro-brasileiras poderiam ser dirigidas a qualquer religião, porque o especismo encontra-se fundamentado em todos os povos, todas as religiões.

Devemos trabalhar, sim, a extinção do especismo em todas as religiões, porque embora ele esteja nelas impregnado, não é delas parte integrante. Queremos dizer que respeitamos a liberdade de culto e de fé, mas que isso não justifica a retirada de vidas. Queremos dizer que não somos superiores nem inferiores, e que também descendemos de povos e religiões que sacrificaram animais. Queremos dizer que o sacrifício de animais pode hoje fazer parte dos rituais de certa religião, mas que não precisaria ser assim; que eu outros lugares a mesma religião é praticada e que animais não são mortos.
Porque aquele que combate o sacrifício de animais desmerecendo a fé de um ser humano provavelmente não dispõe de qualidade moral suficiente para perceber que a utilização de animais para outros fins, o que erroneamente também pode ser chamado ‘sacrifício’, pode ser considerado tão ou mais sanguinário. Opondo-se ao sacrifício ritual, a pessoa não vê problema em consumir a carne de um animal abatido dentro de uma instituição que preze por seu “bem-estar”. Hipocrisia.
Porque se dentro daquela crença o sacrifício de animais agrada a um ser divino, aquele que condena esse ritual mas não o ritual diário em torno da mesa nas três refeições diárias, em verdade se coloca como um ser mais do que divino, a quem o “sacrifício” de animais para satisfação do apetite não fere nenhum conceito moral.
(grifo meu)

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Sérgio Greif
E-mail: sergio_greif@yahoo.com
Biólogo, pós-graduado em nutrição humana pela UNICAMP, autor do livro (com co-autoria do biólogo Thales Tréz) "A verdadeira face da experimentação animal", autor do livro "Alternativas ao uso de animais vivos na educação"
colunista do site "Florais e Cia".
www.floraisecia.com.br
Fonte: www.sentiens.net
Publicação autorizada, desde que os CRÉDITOS SEJAM CONSERVADOS E FONTE CITADA: site “Florais e Cia” – www.floraisecia.com.br "

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É isso aí. Perfeito.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Para refletir...

"É destino de toda verdade ser objeto de ridículo quando exposta pela primeira vez. Era considerado idiotice se supor que homens negros eram realmente seres humanos e tinham que ser tratados como tal. O que uma vez foi considerado estupidez foi reconhecido como verdade. Hoje em dia é considerado exagero se proclamar constantemente o respeito por cada forma de vida, como sendo uma séria exigência de uma ética racional. Mas virá o dia em que as pessoas ficarão espantadas com o fato de que a raça humana existiu por tanto tempo antes de reconhecer que lesar uma vida irrefletidamente é incompatível com a verdadeira ética. Ética é, sem ressalvas, responsabilidade por tudo o que tem vida"

Albert Schweitzer - Alemão, Teólogo, Músico, Filósofo, Médico e Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1952

O que é candomblé vegetariano? - por Ademir Barbosa Junior

"Saúdo meus Orixás, saúdo minha ancestralidade!

Deixa a gira girar, deixa tocar o xirê!

Candomblé Vegetariano é Candomblé. Não é dissidência, mas sim uma maneira de conectar-se com as energias dos Orixás. Não há casas em que se corta menos, situações em que não se corta? Pois bem, paulatinamente Iya Senzaruban adaptou os fundamentos à prática vegetariana, não criou uma nova religião.

Candomblé Vegetariano é Candomblé. E toda festa de santo é celebração. Todo iniciado é "do santo". Não há casas em que fundamentos diferem? Não há nações com práticas diferenciadas? Ninguém aprisiona as energias, ninguém aprisiona os Orixás (1).

Na vivência espiritual nem sempre se respeita a diversidade, o diálogo. Mestre Jesus, grande avatar deste planeta, quando informado pelos discípulos de que havia curadores usando seu nome sem pertencerem a seu grupo, respondeu que aquele que não estava contra Ele, estava com Ele (Lc 9, 49-50). No caso do Reiki, por exemplo, há diversas tradições e práticas divergentes, mas é a mesma Energia. Há reikianos que sugerem, baseados na observação e em sua experiência, não aplicar Reiki em situações de anestesia, outros que comprovaram não ser isso necessário e aqueles, como eu, que consideram cada situação, cada organismo (humano ou animal). Existem mestres que fazem iniciações a distância, com crianças, animais e plantas, baseados em fundamentos do próprio Reiki e no trabalho de diversos mestres internacionalmente respeitados. Outros não trabalham a Energia dessa maneira. Particularmente, procuro entender a fundamentação, observar se não há excessos, inconvenientes, respeitar a prática alheia e fazer o que meu coração, as necessidades e urgências solicitam, com responsabilidade, e sem culpa. O que não pode acontecer, ainda tendo o Reiki como exemplo, é achar que o "meu" Reiki é melhor do que o Reiki "do outro".

Na Umbanda, em cuja fundamentação não existe o corte, embora diversas casas dele se utilizem, os elementos animais, quando utilizados, crus ou preparados na cozinha, provêm diretamente dos açougues. No primeiro caso, usam-se, por exemplo, língua de vaca, sebo de carneiro (por vezes confundido com e/ou substituído por manteiga de carité), miúdos etc. No Segundo, nas palavras de Rubens Saraceni,
"(...) Mas só se dá o que se come em casa e no dia a dia.
Portanto, não há nada de errado porque a razão de ter de colocar um prato com alguma comida "caseira" se justifica na cura de doenças intratáveis pela medicina tradicional, causadas por eguns e por algumas forças negativas da natureza.
(...)
Observem que mesmo os Exus da Umbanda só pedem em suas oferendas partes de aves e de animais adquiridos do comércio regular, porque já foram resfriados e tiveram decantadas suas energias vitais (vivas), só lhes restando proteínas, lipídios etc., que são matéria." (SARACENI, p. 64).
Para legitimar a não utilização do corte na Umbanda, Míriam de Oxalá se vale dos estudos e de citação de Fernandez Portugal. Para a autora,
"(...) vale a pena citar de Fernandez Portugal, renomado escritor africanista, em seu livro Rezas-Folhas-Chás e Rituais dos Orixás publicado pela Ediouro, o item "Ossaiyn, O Senhor das Folhas": "Segundo a tradição yourubá, sem ejé e sem folhas não há culto ao Orixá, mas pode-se iniciar um Orixá apenas utilizando-se folhas, pois existem folhas que substituem o Ejé." O grifo é nosso e tais conceitos são, para nós umbandistas, bem conhecidos." (OXALÁ, p. 77)
Observe-se, noutro contexto, como ecoam tanto as palavras de Portugal quanto as de Míriam de Oxalá. Para Orlando J. Santos,
"Para se fazer um EBÓ 'tudo que a boca come' é preciso ter esgotado todas as possibilidades de resolver o caso a partir das ervas: akasá, obi, orobô etc. Sabemos que: obi, orobô e certas folhas, quando oferecidos aos Orixás dentro do ritual, valem por um frango, cabrito, carneiro, Portanto, em muitos casos, substitui o EJÉ, 'sangue animal'." (SANTOS, pp. 46-47)

No Candomblé, por sua vez e ao contrário do que sustenta o senso comum, o qual associa a religião à "baixa magia", prefere-se a criação própria, mais integrada e ecológica. A respeito do aproveitamento do elemento animal em rituais e no cotidiano do Ilê, Iya Omindarewa afirma
"Uma parte é oferecida ao Orixá, fica aos seus pés até o dia seguinte e depois é dividido entre as pessoas da comunidade. Essa carne é cozida e preparada num ritual muito absoluto, e é totalmente aproveitada. O restante é para alimentar o povo da festa, gente da casa e os vizinhos. Tem um sentido, nada é feito à toa. É oferecida ao animal uma folha; se ele não comer não será sacrificado, pois não foi aceito pelo Orixá." (Revista Espiritual de Umbanda – Especial 03, p. 60).

Mãe Stella de Oxossi, quando perguntada se o século XXI corresponderia ao fim do uso de animais em rituais do Candomblé, responde:
"Mas neste século XXI o que mais tem é churrascaria! Mata-se o boi, a galinha e o carneiro para comermos. Só porque usamos animais em nossos rituais, fiam falando que deve acabar. O animal mais bem aproveitado é aquele que é morto nos rituais de Candomblé, porque se aproveita tudo: a carne, que alimenta muita gente, o couro..." (Revista Espiritual de Umbanda – Especial 03, p. 60).

Em síntese, nos rituais, o corte no Candomblé está associado à ceia comunal: come o Orixá e comem fiéis e convidados do mesmo prato. A base desse fundamento é a utilização do sangue (ejé, menga, axorô) para a movimentação do Axé, o que, aliás, não ocorre apenas em situações de ceia comunal, mas também em ebós, quando apenas os Orixás ou entidades comem.
Nas palavras de Iya Omindarewa,
"Está na cabeça da gente que não se pode fazer o sacrifício, pegar energia de uma coisa viva e passar para outra. Admite-se comer um bom bife, uma galinha ou porco para alimentar o corpo. Mas não se admite captar a energia dos animais, das folhas, da Natureza toda para fortalecer sua cabeça. Isso não faz sentido; vamos andar descalços porque não se pode usar o couro? Não vamos comer folhas, milho, carne porque são da Natureza? E como o ser humano vai viver? A vida não é uma luta? Pega-se uma coisa pela outra e depois não retorna tudo para a terra? Isso tudo é uma grande bobagem. O sacrifício significa dar ao Orixá uma certa energia que ele devolve em troca. Tudo depende das ocasiões; não é durante toda a vida que vamos matar bichos, mas em grandes momentos, como nas Feituras, quando é necessário." (Revista Espiritual de Umbanda – Especial 03, p. 60).

Dialética e dialogicamente, quanto mais vivencio o Candomblé Vegetariano, mais aprendo a respeitar o fundamento do corte. É natural que o Candomblé Vegetariano atraia vegetarianos, pessoas e entidades que trabalham com resgate e direitos de animais, contudo isso não nos confere o direito de discriminar irmãos-de-santo, terreiros etc. Prática plural e geralmente inclusiva, o Candomblé, em sua vertente vegetariana, não atrai apenas os que não comem carne ou que não trabalhem o corte como fundamento: as portas estão sempre abertas para todos. Conforme registrei em diversos escritos (e faço disso um lembrete para mim, como integrante do Ilê e como Ogã), e isso não se aplica apenas ao Candomblé,
"Candomblé Vegetariano: uma prática que respeita os fundamentos de outras tradições e amorosamente também exige respeito."

Historicamente, o povo-de-santo já foi por demais achincalhado, desrespeitado e perseguido. A respeito do corte, observe-se o exemplo abaixo, fragmento de texto utilizado por mim diversas vezes para tratar de contra-argumentação, preconceito, pluralidade e outros conceitos em aulas de Redação.
"Como racismo no Brasil é sempre coisa do vizinho (argentino ou não), os defensores dos animais que lutam contra o rito das religiões africanas vão jurar de pés juntos que não são racistas, que jamais quiseram dizer que o deus dos negros não é tão bom quanto o deus dos brancos, que existem até negros entre eles e que queriam apenas evitar atrocidades contra os animais. Pode ser verdade, mas não basta. Se isso for mesmo, se o que os move é tão-somente a defesa dos animais, onde estão então os protestos diante dos abatedouros de bois, porcos e aves? Onde estão os protestos contra a condição do Brasil de maior exportador mundial de carne bovina e de frango? Dias atrás, o governo da Rússia anunciou que vai voltar a permitir a importação de carnes bovina, suína e de frango de regiões do Brasil onde havia suspeita de alguma doença. Foi uma excelente notícia para a economia brasileira – e não se ouviu o protesto dos defensores dos bois, porcos e galinhas." (André Petry, "Isso é que é racismo". Veja, 27 de abril de 2005, p. 93)

Não seremos nós, irmãos, a cometer violência e desrespeito, dentro ou fora da comunidade do Candomblé. Além de razões éticas e humanitárias, existe legislação específica que privilegia o respeito e a convivência conscientes, muito mais do que a tolerância (2). Tive a oportunidade de vivenciar em 21 de janeiro de 2008, no Teatro Castro Alves, em Salvador, uma noite festiva para o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi oficializada pela Lei número 11.635, em 27 de dezembro de 2007, e sancionada pelo Presidente da República. Em outras palavras, Religião e Espiritualidade também são questões de cidadania e leis.
Embora não seja objetivo deste texto tratar dos fundamentos das religiões ditas de matriz africana e/ou especificamente do Candomblé ou do Candomblé Vegetariano, convém lembrar que sacrifícios e oferendas sempre fizeram parte da relação entre o humano e o divino, seja literal (Judaísmo Antigo, Candomblé etc.) ou simbólico (Missa e outras formas de culto). Nesse contexto, a presença do sangue é fundamental. Além dos sacrifícios propriamente ditos, há mundo afora diversos rituais em que se derrama o próprio sangue, como a autoflagelação, a Dança do Sol entre povos indígenas dos Estados Unidos (3) e o hábito de utilizar gotas do próprio sangue para impregnar objetos rituais como runas fabricadas artesanalmente para uso próprio. Se os dois primeiros exemplos podem ser considerados por muitos literalmente sangrentos, ambos devem ser analisados no contexto social, psicológico e religioso em que se manifestam, a fim de a autoflagelação não ser reduzida a uma prática masoquista e de culpabilização (seja nas Filipinas ou no cotidiano da Opus Dei), ao mesmo tempo que, quando muito, se aceita a Dança do Sol como forma de interação com o cosmo e de preservação da cultura nativa (4). Pretendo aqui ampliar o diálogo e jamais pontificar o "certo" ou o "errado" na vivência espiritual de cada um ou de determinada coletividade.

O Candomblé se utiliza de três tipos de sangue (5):

Reino animal
Sangue vermelho
sangue propriamente dito
Sangue branco
sêmen, saliva, hálito plasma (em especial do ibi, tipo de caracol) etc.
Sangue preto
cinzas de animais

Reino vegetal
Sangue vermelho
epô (óleo de dendê), determinados vegetais, legumes e grãos, osun (pó vermelho), mel (sangue das flores) etc.
Sangue branco
seiva, sumo, yierosun (pó claro), determinados vegetais, legumes e grãos etc.
Sangue preto
sumo escuro de determinadas plantas, waji (pó azul), carvão vegetal, determinados vegetais, legumes, grãos, frutos e raízes etc.

Reino mineral
Sangue vermelho
cobre, bronze, otás (pedras) etc.
Sangue branco
sais, giz, prata, chumbo, otás etc.
Sangue preto
carvão, ferro, otás, areia, barro, terra etc.

As adaptações, os fundamentos do Candomblé Vegetariano são apresentados em livros da própria Iya Senzaruban. Não cabe a mim encabeçar esse diálogo, mas sim à própria ialorixá. Este texto, repito, apresenta parte da celebração da trajetória deste Ogã, sua visão particular sobre o Candomblé Vegetariano, os Orixás etc. Entretanto, não posso deixar de registrar a feliz analogia de Iya Senzaruban, aqui adaptada e simplificada, sobre o uso ou não do sangue de animais em rituais. Conforme suas palavras, a utilização do sangue em rituais seria como um SEDEX 10; sem o sangue teríamos uma carta registrada: a correspondência demoraria alguns dias, mas chegaria com a mesma segurança.

A diversidade de culto e liturgia no Candomblé não se restringe apenas às particularidades e aos fundamentos de cada nação ou de cada casa, uma vez que o culto aos Orixás também representa uma experiência pessoal, não restrita ao terreiro. O Candomblé Vegetariano vem somar-se a essa diversidade. Na Umbanda, onde talvez a diversidade seja ainda maior (e sempre amparada em fundamentos), encontramos, por exemplo, terreiros em que, por diversas razões, não se fecham as cortinas do congá quando das giras de Exus e Pomba-giras, nem são servidas bebidas alcoólicas às entidades incorporadas nos médiuns, as quais são postas em recipientes, onde ficam à disposição das entidades (6). A esse respeito, e por também evocar o diálogo sobre a utilização do corte/sangue em rituais, reproduzo algumas informações bastante interessantes sobre a água de coco.

No 1o. Locutório Interestadual promovido pela Faculdade de Teologia Umbandista (Curitiba, 16 de julho de 2005), Pai Fernando cita e-mail de Maria de Omolu e Solano de Oxalá (Casa Branca de Oxalá, Lagoa Santa, MG) a respeito da substituição de bebidas alcoólicas por água de coco no caso de médiuns que não consomem álcool. Segundo trecho do e-mail:
"(...)
O que eles fazem: deixam no ponto central um cuité com o marafo e bebem água de coco em outro cuité. O coco tem uma propriedade enorme na sua essência: primeiro porque é considerado o "sangue vegetal" e segundo porque tem o plasma da vida. Na guerra do Vietnã, quando faltou sangue para os soldados fazerem transfusão, foi a água de coco que salvou muita gente. Então, os Exus ou Pombas-giras que trabalham com médiuns que não podem beber, trabalham com a água de coco. E ficam satisfeitos, porque a função de uma Entidade é querer que seu aparelho evolua, ou então, querer o seu bem-estar físico." (Revista Espiritual de Umbanda – número 11, p. 9).
A abstinência dos médiuns é bastante comum em muitos terreiros, acrescida ou não do uso da água de coco em substituição ao álcool. Ainda a respeito de outros aspectos terapêuticos do mesmo elemento (água de coco), em especial, no combate a demandas, Pai Fernando evoca o pai-de-santo Edmundo Santo, já desencarnado, o qual, segundo o autor,
"(...) dizia-me que a Umbanda combate todos os trabalhos negativos, exceto quando neles foi usado o sangue como energia, pois, segundo ele, para desmanchar um campo de forças, um semelhante tem que ser criado."

Assim como as experiências relatadas por Pai Fernando oferecem alternativas ao uso do corte e do sangue animal, e outros tantos terreiros de Umbanda buscam alternativas para, dentre outros, o ritual de passar animais pelo corpo dos consulentes para soltá-los, a fim de descarregarem energias negativas na terra, o Candomblé Vegetariano apresenta-se como uma vertente das religiões ditas de matriz africana. Se, de modo geral, o Candomblé não faz proselitismo, uma vez que se fundamenta na ancestralidade, e abre as portas para todos (7), o Candomblé Vegetariano não foge à regra: "uma prática que respeita os fundamentos de outras tradições e amorosamente também exige respeito."

NOTAS
(1) Na tradição do Reiki, há um símbolo-ideograma com uma belíssima narrativa que destaco como reflexão para toda atividade espiritual, religiosa, holística: "O céu/O céu desce à terra/O homem é criado/O céu também está dento do homem/O homem estabelece o céu na terra/O homem manifesta a força do céu na terra/O homem cria a casa de Deus/O homem passa a estabelecer que o céu está apenas no interior da casa de Deus/O homem passa a acreditar que o céu existe em razão da casa de Deus/O homem afirma que o céu se manifesta apenas na casa de Deus/ O homem prega que somente os 'homens de Deus' vão para o céu/O céu desce fora da casa de Deus/O homem comum descobre que o céu está somente dentro dele/O homem comum traz o céu à terra por meio de seus atos de amor/Os atos de amor do homem comum salvam a humanidade da destruição e oferecem esperança a todos os que ainda nascerão." (BARBOSA JÚNIOR, p. 62)
(2) Por vezes, a tolerância mascara o preconceito: "Ele é do Candomblé, eu aceito, eu respeito, fazer o quê, né?". "Ela é evangélica, mas é gente boa...". "Tão bonzinho, mas é espírita...".
(3) "Os membros do Clã dos Guerreiros que escolhem o caminho do sacrifício pelo bem do Povo devem preparar-se durante três dias antes da dança, através de jejuns e de preces, seguindo as instruções dados pelos Anciões. No terceiro dia os dançarinos são trespassados através do tecido conjuntivo dos músculos peitorais, primeiro com um furador e depois com um bastão afiado de cerejeira. Depois prendem-se tiras de couro às pequenas estacas que lhes atravessam o peito, atando-os à Árvore da Dança do Sol ou à Árvore da Vida e criando um efeito especial de guarda-chuva ou de carrossel." (SAMS, p. 93)
(4) "Muitos dos primeiros agentes do governo dos Estados Unidos viam a Dança do Sol como uma tortura auto-infligida porque não conheciam o propósito da cerimônia. Consequentemente ela foi proibida em 1941 pelo Departamento do Interior. Só nos últimos anos as Danças do Sol começaram novamente a devolver o espírito ao nosso povo. O objetivo da Dança do Sol é permitir que jovens Guerreiros partilhem o sangue de seus corpos com a Mãe Terra. Acredita-se que as mulheres fazem isso durante sua Lua, ou ciclo menstrual (...). As mulheres doam sua dor durante o parto, e os homens durante a Dança do Sol, para que o seu povo possa continuar a existir. As mulheres nutrem as sementes das futuras gerações enquanto os homens comprometem suas vidas com a proteção desse futuro através da cerimônia da Dança do Sol." (SAMS, p. 93)
(5) Valho-me aqui da síntese feita por Virgínia Rodrigues em "A força do Axé" ( Revista Espiritual de Umbanda – Especial 03, p. 69).
(6) No Ilê Iya Tunde bebidas alcoólicas geralmente não são ingeridas pelos médiuns incorporados, sendo oferecidas aos pés das entidades e dos Orixás, de acordo com a organização geral da casa e dos rituais.
(7) A respeito da inclusão dos segmentos sociais mais diversos e diversificados no Candomblé, consultem-se os ensaios das coletâneas organizadas por Carlos Eugênio M. de Moura citados na bibliografia."


Fonte: http://www.mundoaruanda.com

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Não concordo com tudo que foi escrito por Ademir Barbosa Junior. Como escrevi para o próprio autor, sou muito menos contida, e talvez por ter muito menos tempo de santo, menos sabedoria e conhecimento da religião que ele, eu não consiga ainda ser tão ponderada nem acreditar no fundamento da matança. Essa sempre foi a minha grande dificuldade na religião. Quando ofertamos ao orixá uma folha, uma flor, um grão que seja, o pé de onde se originou esse elemento não precisa morrer. Não temos que cortar uma planta para utilizarmos suas folhas. É esse o ponto crucial na utilização do sangue animal: o animal tem de morrer, para supostamente dar vida e força ao orixá. Quando Iya Omindarewa chama de "grande bobagem" a preocupação com a matança, ela diz que então não vamos mais comer vegetais, por exemplo, porque também são da natureza. Bem, o vegetal não precisa morrer para que nos utilizemos de suas folhas e frutos. E quanto à dizer que "É oferecida ao animal uma folha; se ele não comer não será sacrificado, pois não foi aceito pelo Orixá.", bem... Conheço o fundamento, conheço inclusive a cantiga, aprendi nas casas de santo que frequentei, mas nunca, NUNCA vi a folha ser oferecida ao animal tranquilamente, esperando-se que ele a comesse. Ela é simplesmente enfiada em sua boca, que é rapidamente amarrada. Afinal, um cabrito, cabra ou seja lá que animal for ofertado custou caro, e vai ter de morrer, ninguém quer saber se ele aceitou ou não a folha, se o orixá o aceitou ou não. Talvez antigamente fosse assim, ou nas casas mais antigas... Hoje em dia?? Duvido!!
Mas concordo plenamente com ele quando diz que o importante é o respeito às diversidades. Respeito quem cultua seu orixá à moda tradicional, e exijo o mesmo respeito para com a minha crença e minha forma de liturgia. Na verdade, o que está acabando com o candomblé é isso: a falta de respeito dos seus próprios seguidores. E, na minha humilde opinião, a falta de amor, humildade, caridade...

Candomblé Vegetariano - entrevista na ANDA com Iya Senzaruban

O universo do candomblé está presente na vida de Iya Senzaruban desde muito cedo. Nascida numa família de cultura tradicional do candomblé, ela é filha de um ekede e de um ogã. Foi iniciada nesta senda espiritual aos 7 anos e aos 14 anos tornou-se mãe-de-santo. Desde o início dos anos 90 estuda técnicas da medicina alternativa como a aromaterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, cromoterapia e cristais. No Sri Lanka entrou no culto a Krishna e Shiva e acabou descobrindo uma forma para substituir, em sua alimentação e nos rituais, os animais e ingredientes de origem animal. Vegetariana há 25 anos, atuante na área de saúde, ela é também responsável pelo Grupo Ile Iya Tundé, entidade filantrópica que atua há 22 anos em Itanhaém, no estado de São Paulo e que ministra cursos e atividades para a comunidade. Sua experiência na renovação do candomblé está sendo relatada no livro que escreve e pretende publicar sob o título de Candomblé Vegetariano. Nesta entrevista à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, Yia Senzaruban fala sobre sua experiência lactovegetariana, sua dedicação ao candomblé, sua caminhada espiritual e a sintonia entre natureza e espiritualidade.


ANDA – Como foi sua experiência de ter se tornado mãe-de-santo tão jovem e depois ter optado pelo vegetarianismo?

Iya Senzaruban – Eu já nasci dentro do santo. Fui iniciada aos 7 anos e aos 14 já era mãe-de-santo. Depois disso andei em vários lugares, mas no Sri Lanka foi uma experiência relevante por causa do vegetarianismo e também porque eu me iniciei como devota de Krishna. E isto tudo criou uma incompatibilidade, pois os devotos de Krishna e Shiva não comem carne de jeito nenhum. Eles comem alguns produtos lácteos e derivados como o queijo, porque a vaca é considerada sagrada. Mas não comem ovo, nenhum outro produto animal sem ser derivado do leite. Desde pequena eu não gostava de comer carne, então optar pelo vegetarianismo foi fácil. Difícil foi conciliar as coisas. Eu levei muitos anos para poder encaixar as duas coisas, que eu considerava muito bonitas. Além disso eu já tinha muita gente que contava comigo pela minha situação religiosa. Não poderia abandonar tudo no meio do caminho.

ANDA – Como foi esta transição para um candomblé vegetariano?

Iya Senzaruban – Eu estou escrevendo um livro a respeito do candomblé vegetariano e também dou cursos e palestras sobre isto. Assim como eu, tem muita gente que é do santo, que é do candomblé e que não gosta da matança e se sente meio acuada. Tem gente que adora, gosta, ama os orixás, admira o ritual que é muito bonito, muito completo, mas na hora de participar de uma matança, “o bicho pega”. A proposta do vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem prejudicar o tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As mudanças são muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é o que o candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que não usa nem camarão ou ovo, nada de origem animal. Mas demorou muito tempo para chegar nisso. Passei a vida inteira dentro de um certo contexto. Hoje já é mais fácil. Mas ainda tem adaptações a fazer, tem hora que eu tenho que buscar outras soluções. Também não dá para buscar a mesma energia, porque a energia de sangue é muito pesada. Ela traz muita proteção mas ao mesmo tempo traz muita sujeira espiritual. Hoje em dia eu procuro ter uma limpeza espiritual e conseguir a mesma coisa sem ter que fazer uma matança: livrar as pessoas de problemas, principalmente na área de saúde, de doenças graves. Como eu também sou terapeuta, vejo muito por este lado, de saúde física, moral, espiritual e psicológica. Meu trabalho como mãe-de-santo é bem voltado para a saúde.

ANDA – Você também trabalha com outras técnicas de terapias como a cromoterapia e acupuntura. Como isto ajuda no seu trabalho?

Iya Senzaruban – Hoje em dia os pais-de-santo estão muito mais cultos. É uma nova época dentro do candomblé. As pessoas estão buscando mais conhecimento, trabalham em outras coisas, não dependem mais financeiramente do candomblé como eram os antigos pais-de-santo, que só viviam para isso. Então ficava muito restrito. Toda religião precisa evoluir, senão fica estagnada e morre.

ANDA – Dentro do contexto religioso é mais difícil a aceitação da mudança?

Iya Senzaruban – A respeito da matança, eu acho que os meus filhos-de-santo que já têm casa vão aproveitar muito mais esta situação renovada e talvez daqui a 10 anos a gente tenha alguma resposta. Isso porque há uma restrição muito séria a respeito disso. Mas aos poucos eu acredito que a gente vai atingindo as pessoas. Afinal, alguém tem que começar, né?

ANDA – Dá para perceber o quanto você está sendo pioneira.

Iya Senzaruban – Isso é porque eu sou filha de Iansã, e Iansã arrebenta tudo. Ela é a minha guerreira, ela derruba mesmo os tabus, os preconceitos. Mas fora a situação de matança, os pais-de-santo têm menos tradicionalismo hoje. Eles são abertos a outras coisas, à busca das raízes, das ervas, de estudos sobre determinados orixás que a maioria não conhecia ainda, mas com uma mente diferente, porque já têm mais cultura. A maioria hoje tem terceiro grau completo e isso faz alguma diferença.

ANDA – Como você relaciona o vegetarianismo e a espiritualidade sob este enfoque profissional na área de saúde?

Iya Senzaruban – Matar os animais é algo que espiritualmente não faz bem, pois você está tirando a vida e depois comendo cadáveres. Não é nada sadio espiritualmente falando. Além disso, principalmente o frango e os animais que se compram em supermercados estão cheios de hormônios. Um frango hoje em dia, de um pintinho para um frango demora três dias. Isso é um absurdo. Imagine o que isto não causa dentro do organismo da pessoa. E ainda afeta a psique, porque são drogas injetadas por tabela. Não adianta você não fumar, não beber, não tomar psicotrópicos e acabar consumindo por tabela quando consome a carne. O efeito é o mesmo. Isso faz também com que cada vez mais as pessoas tenham câncer e outras doenças. O vegetarianismo, ao contrário, é muito bom. É certo que muitas verduras são contaminadas, mas mesmo assim já não faz tanto mal, pois não atinge a aura da pessoa. E com isso ainda tem tantas opções, como os grãos. Eu mesma como muito poucas verduras. O que como mais são legumes, tubérculos, grãos e doces. Inclusive, quando eu dou aulas sobre a comida vegetariana, apresento excelentes opções simples e tão mais baratas! Com um quilo de carne dá para fazer um almoço para quatro pessoas. Com o mesmo dinheiro de um quilo de carne, na cozinha vegetariana, dá para fazer o almoço, o jantar e outro almoço no dia seguinte para quatro pessoas. O vegetarianismo é um estilo de vida para o bolso, para a saúde mental, espiritual e psicológica, pois tudo está ligado. Se você come um alimento saudável, vai ser uma pessoa saudável mentalmente também. Te dá ânimo para fazer exercícios, você se torna uma pessoa mais doce. Geralmente quem é vegetariano não bebe, não fuma, é uma consequência sine qua non. Vai limpando o seu corpo. E ainda tem mais: a pele fica bonita, o cabelo também, não tem barriga, não tem celulite…

ANDA – Há quanto tempo você adotou o vegetarianismo no seu trabalho? E como as pessoas percebem o seu engajamento por esta opção?

Iya Senzaruban – Eu já sou vegetariana há 25 anos e levo o candomblé vegetariano há quase 17 anos. As pessoas, principalmente as mais jovens, se interessam mais. Eu vejo também que quem mais se interessa pelo vegetarianismo é o tipo de pessoa mais intelectual, geralmente artistas, profissionais que se destacam em várias áreas. Eu percebo bem que eles têm uma consciência muito maior. Fora isto há outros grupos que já levam isto como uma realidade. Há alguns colegas meus, na medicina, que também têm trabalhos nesta área. Mas é muito diferente falar para uma pessoa que ganha um salário por mês – e que não são poucas, infelizmente é a realidade majoritária no nosso país – aí é muito difícil de atingir. Eu tenho esta sorte de conseguir atingir muita gente neste nível, por exemplo, ensinando a fazer a farofa multimistura para a alimentação ficar mais completa. Ensino a fritar a casca de batata, usar a casca de banana, trabalho já há muito tempo com isso. Porque muita gente acha que só a carne alimenta, eles têm esta educação falha. Eu consigo atingir também este público, mas é muito difícil encontrar quem se proponha a trabalhar assim. Eu percebo que o vegetarianismo é uma coisa mais elitizada, sim: financeira e culturalmente. O vegetariano é a pessoa que teve uma cultura mais elevada e que tem dinheiro. Mas com o meu trabalho como mãe-de-santo eu consigo atingir outras classes mais sofridas, de gente que vive com um salário, paga o aluguel e ainda tem três ou quatro filhos. Esta é uma área de atuação maior. Também tenho uma entidade filantrópica, o Grupo Ilê Iya Tundê, que fica em Itanhaém e já tem 22 anos, que me permite ir ensinando. Lá também ensinamos terapias, danças, capoeira e culturas de origem afro, além de cursos profissionais. Tem muitos outros grupos de várias crenças que inclusive utilizam este espaço para fazer entrega de mantimentos e outras atividades para a comunidade.

ANDA – O que pretende o candomblé vegetariano?

Iya Senzaruban – Eu sou uma mãe-de-santo e não estou aqui para questionar a situação de ninguém. Nasci numa situação tradicionalíssima e não posso negar de onde eu vim. Para algumas pessoas isso é o que serve. Para mim não serve mais. A minha função, assim como para quem se sente nesta situação, é encontrar uma nova forma de louvar os orixás sem ofender os outros seres vivos. Eu acho que é uma demonstração de boa vontade para com Deus.

Fonte: http://www.anda.jor.br/2009/11/15/candomble-vegetariano/comment-page-3/#comment-42990

Meus cumprimentos e meus respeitos a Iya Senzaruban, por sua coragem e por sua grande evolução espiritual. Tinha de ser filha de Oya!! hehehe...

Por quê o Candomblé “Verde”?


Primeiro preciso dizer por quê o candomblé.

Pois bem, minha família é quase toda espírita, porém são parte umbandistas - de uma corrente antiga, onde ainda não se tentava imitar o candomblé, e, portanto, não existia sequer a menção de sacrifício de animais - e parte kardecistas. Fui criada nessas crenças, mas me faltava alguma coisa. Fui conhecer diversas religiões, e não me senti "em casa" em nenhuma, até o dia, já passada dos 30 anos, em que conheci o candomblé. Me encantei pelas músicas, as roupas coloridas, danças, a energia viva, presente em todos os "xirês" - festas de orixás - e a aparente união, cooperação, humildade dos integrantes daquela comunidade.

Mas quem conhece uma festa de candomblé não conhece absolutamente nada do que é a religião. A festa é apenas a comemoração de todos os rituais que foram realizados por uma razão ou em função de uma pessoa ou ocasião. A festa é a menor parte da coisa. E para conhecer o resto, ou seja, conhecer o candomblé, só estando dentro. Eu entrei.
Fiquei maravilhada com os ensinamentos, a cultura do povo africano transportada para cá, tudo no candomblé me fascinava, e fascina até hoje, com um único porém: a matança de animais. Essa parte sempre foi para mim um tormento, por mais que tentassem me ensinar a finalidade daquilo tudo. Eu sofria demais com aquilo, mas não conseguia me desligar da religião, como não me desliguei até hoje, pois todo o restante sempre me fez muito bem. Tentava minimizar aquilo, e me convencer dos argumentos que me apresentavam, e durante os sacrifícios eu me concentrava em rezar pelo animal, e pedir que ele não sofresse, que Olorum o recebesse rapidamente. E me ocupava também de cuidar bem dos animais que ficavam na casa aguardando os sacrifícios, e cuidar para que ninguém os maltratasse mais do que o absolutamente necessário...

Fui uma filha muito dedicada de um pai de santo que depois provou ser pior que qualquer padrasto. Aproveitador, sem-vergonha, manipulador, extorquia sem dó de qualquer pessoa mesmo seus últimos recursos, prometendo ajuda e recompensa espiritual. Eu o deixei, e à sua casa, logo após a minha iniciação, não apenas por perceber essa conduta, como por perceber que ele sempre pedia aos consulentes e filhos de santo muito mais do que era necessário para qualquer "trabalho", oferenda espiritual, principalmente em animais para sacrifício. Por que? Porque isso enche os olhos de quem está ali à procura de uma "macumbinha", pagando para conseguir isso ou aquilo, e quer ver coisas que impressionam, que chocam, que atestam que está sendo feita alguma coisa em troca daquele dinheiro, porque, infelizmente, o ser humano tem uma curiosidade por tudo que é macabro, assustador, impressionante. Pelo lado do pai de santo, quanto mais bichos e coisas, mais caro ele podia cobrar.

Pois bem, enquanto estive na casa dele me aproximei muito de um outro pai de santo, que era "pai pequeno" lá, e que gostava muito de plantas, e pregava o uso de plantas e ervas nos trabalhos e rituais. Quando saí dessa casa esse outro pai de santo também já tinha saído, e tempos depois nos reencontramos e, junto com outras pessoas, também desligadas dessa casa, montamos a nossa própria. Lá a preocupação era nos mantermos na maior simplicidade possível, e fui feliz lá por mais um tempo.

Acontece que o dinheiro corrompe, a vaidade estraga, a arrogância domina e a pessoa se perde quando acredita ter algum "poder". Também nessa casa comecei a ver os abusos e excessos. Animais em excesso para sacrifícios, montes de comida preparadas para oferendas e depois jogadas no lixo, luxos e gastos desnecessários, feitos para "encher os olhos" do freguês. Nessa época eu já atuava na proteção animal, e a cada ritual de sacrifício me sentia doente, e os argumentos da religião não me convenciam mais. Me afastei e por fim me desliguei completamente também dessa casa, juntamente com mais pessoas (não por coincidência, quase o mesmo grupo que tinha se desligado da casa anterior).

A partir daí decidi pesquisar e estudar alternativas para continuar com a minha religião, que amo, sem o sacrifício animal, que considero desnecessário e incongruente. Meus argumentos eram apenas instintivos, mas convincentes. Como este post já está se extendendo demais, não vou relacioná-los aqui, mas vou descrevê-los em outro post. Nas minhas pesquisas encontrei livros sobre o sangue verde, das folhas, "ewé", energia muito mais pura que do sangue animal, porém, renovável. Energia obtida sem a necessidade da morte de quem a fornece, e portanto, a meu ver, muito mais sagrada. E minha mais grata surpresa nessas pesquisas foi saber que um grande ícone da religião, Agenor Miranda Rocha, concordava com tudo isso há muitos anos!! Veja o que diz desse homem a Wikipédia:

"Agenor Miranda Rocha, o Pai Agenor, (Luanda, Angola, 8 de setembro de 1907 — Rio de Janeiro, 17 de julho de 2004) foi um babalorixá do Candomblé.
Foi iniciado aos cinco anos de idade por Mãe Aninha, Iyalorixá fundadora dos terreiros Axé Opô Afonjá de Salvador e do Rio de Janeiro.
Era professor catedrático aposentado do Colégio Pedro II, estudioso e adivinho do candomblé, o brasileiro que mais conheceu a herança e a Cultura afro-brasileira.
...
Suas declarações são desconcertantes. “A força do candomblé está no sangue verde das plantas e não no sangue vermelho dos animais”, comenta para condenar os sacrifícios em cultos. ..."

O resultado de tudo isso que eu relatei? Nosso grupo de candomblecistas, dissidentes e malvistos pelas casas de onde saímos, hoje pratica o "candomblé verde". Em nossas oferendas, apenas grãos, folhas, flores, e mesmo essas são colhidas com muito respeito, jamais colhendo muitas folhas ou flores da mesma planta, sempre regando a planta que nos ofereceu parte de si, e agradecendo aos orixás pelas bençãos e pedindo mais força e energia para aquele ser vivo, aquela planta. A simplicidade é o que nos norteia. Preparamos comidas para oferendas em pequena quantidade e de forma que fiquem saborosas, pois é delas que nos alimentamos após os rituais. Fazemos nossos trabalhos na mata, ou em um lugar apropriado para isso em Juquitiba, o Vale dos Orixás, e sempre nos preocupamos de levar embora o nosso lixo. Nada de alguidares de barro nas oferendas, apenas folhas servindo de prato. Animais nas oferendas? Sim, nós às vezes oferecemos animais aos orixás. Compramos nos aviários os pombos que estão ali para serem vendidos para sacrifício, e os soltamos na mata. Até mesmo galinhas, patos, pois no Vale dos Orixás esses animais encontram alimento e proteção. Existem até cabritos, bodes, vivendo no Vale! Então a nossa oferenda é poupar pelo menos essa vida, que não teria outro destino ali no aviário que não a morte.

Os Orixás são forças maravilhosas, energias da natureza, nos trazem conforto e paz, força e coragem para seguirmos nosso caminho, batalharmos nosso dia a dia, conquistarmos o que desejamos por nossos próprios méritos, pois o Orixá não enriquece ninguém de dinheiro, mas apenas de saúde, paz e força para trabalhar e alcançar a vitória. Sou candomblecista sim, sou macumbeira sim (macumba não é sinônimo de despacho e sim de festa, comunhão, alegria), visto branco, uso colares coloridos e panos na cabeça, não me envergonho de quem eu sou nem da minha crença, não escondo meu orixá, me orgulho muito dele. Mas cultuo meu orixá e minha religião através da vida, e não da morte de inocentes.

Sou malvista, taxada de louca, marmoteira, dentro da religião? Sim, mas apenas por aqueles que descobriram na religião o seu filão, o seu modo de extorquir os incautos, como shows cheios de cenários e acessórios e atos ensaiados (posso afirmar, com segurança e propriedade, que o que se vê em vídeos na televisão é show ensaiado sim); por aqueles que não querem que as pessoas saibam que não custa quase nada agradar ao seu Orixá; ou por aqueles que não querem abrir mão de seu "poder", se for revelado que o Orixá não está naquele pote cheio de sangue e naquela carcaça morta, e sim no coração de cada filho e na natureza VIVA.

Bem, o post realmente ficou muito longo...hehehe... mas eu queria que todos soubessem que é possível sim acabar com a matança no candomblé, que basta boa vontade e esclarecimento, e que soubesse também que muitas vezes o que move essas pessoas que defendem o sacrifício não é a religião, e sim o dinheiro e o suposto poder que ela pode proporcionar aos inescrupulosos. E também para dar aqui alguns argumentos para uma boa discussão... rsrsrsrsrs...